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Tenho o blog para mim como um arquivo não só do que vou fazendo com o crochet mas também daquilo que sou e do que me faz ser. Partilho ideias, pensamentos e outras coisas que tais. Não sei se muita gente o lê, se o fazem não comentam, não tenho retorno de muitos (valha me os likes facebookianos) mas está tudo bem porque até sozinha continuaria a escrever aqui. Às vezes transcrevo palavras de outras pessoas que eu acho importante guardar, esta é uma dessas vezes.

 

Eduardo Sá“Estamos a espatifar a infância das crianças”

“Disse um dia que as crianças estão em vias de extinção… Estão. Não digo isso pelo facto de o Governo e a oposição as terem transformado numa espécie de conta poupança reforma. Acho até divertido que se fale de tudo e mais alguma coisa nas várias campanhas – presidenciais incluídas – e as questões das crianças e a política de fundo para a família nem sequer exista. Portanto, o que é que a mim me preocupa? Preocupa-me esta ideia complemente absurda de crescimento, que dá a entender que as crianças têm que ser jovens tecnocratas de fraldas antes dos seis, têm que ser jovens tecnocratas de mochila depois dos seis e têm que ser jovens tecnocratas de sucesso ao entrarem na universidade para que, finalmente – como se fosse uma linha de montagem –, saíssem todos mestres. Mestre é a designação mais vergonhosa que eu já vi para um título académico, porque é um título que reconhecemos aos sábios.

Andamos a enganar os jovens? Isto é o cúmulo da publicidade enganosa. Explicar a miúdos com 22 e 23 anos que são mestres, de maneira a esperar que eles sejam, de preferência, ídolos antes dos 30… Anda toda a gente num registo eufórico e doente, que não percebe que as pessoas precisam de tempo para crescer. Acho engraçadíssimo quando dizem com orgulho que no jardim-de-infância há crianças que já sabem ler e escrever, mas não é isso que as torna mais sábias. Às vezes, as pessoas confundem macacos de imitação com crianças sábias. Acho engraçadíssimo quando as crianças não podem errar – eu julgava que errar era aprender. Mas não: as crianças têm que ter notas que são insufladas sabe Deus pelo quê. Vivem empanturradas em explicações. Se os pais puderem utilizar todo o tempo que a escola coloca ao serviço das famílias, elas podem passar 55 horas por semana na escola… Estamos a espatifar a infância das crianças, a espatifar a adolescência e, depois, com um olhar absolutamente cândido, dizemos que elas têm défi ces de atenção.

Existe a ideia que as pessoas mais escolarizadas são pessoas mais educadas?  Vive-se com essa a ideia. E peço desculpa, mas as pessoas, com toda a boa vontade do mundo, estão a tornar as crianças mais estúpidas. Se as crianças não aprendem a tolerar as frustrações, nunca hão de ser engenhosas e nunca hão de aprender com as dificuldades. A dor dói, magoa, mas é uma oportunidade de crescimento e não há dores que venham por bem. As dores são as grandes oportunidades para nos interpelarmos e para nos transformarmos. E nós não damos oportunidade às crianças para serem crianças. Queremo-las como fossem clones daquilo que nós sonhámos ser, mas que não fomos capazes. E, nestas circunstâncias, tem que haver alguém com algum bom senso que diga “tenham cuidado que estão a comprometer tudo”.

As crianças brincam pouco?   As crianças brincam de menos. Se houvesse em Portugal um Ministério da Educação digno desse nome, teria outro tipo de cuidado com os recreios das escolas. Os recreios das escolas públicas são uma vergonha. Não reúnem condições indispensáveis para brincar. As escolas deviam ter recreios cobertos, mas brincar é, para os governantes, uma atividade tipo primavera-verão: quando está frio e a chover, as crianças não podem ficar nas salas, não podem ficar nos espaços comuns, não podem andar na chuva… Brincam nos beirais, que é uma preparação para os desportos radicais. Mas, na falta de cuidados em relação às crianças, há um exemplo que é o mais delicioso do mundo: não compreendo porque é que as crianças têm uma disciplina de Educação para Saúde e depois, nomeadamente nas escolas públicas, as casas de banho dos alunos não cumprem as condições indispensáveis em termos de saúde pública. Para a ASAE, a segurança alimentar é importante, a contrafação é importante. As crianças, não.

O que lhe apraz dizer sobre toda esta polémica em torno dos contratos de associação? Não me choca que o Estado, quando não consegue cumprir os seus compromissos, possa delegá-los noutros. E possa, na sequência disso, fazer os contratos de associação que acha que deve fazer. Até aqui, isto é pacífi co. Agora, há dois aspetos que me parecem incontornáveis: quando as pessoas querem negociar de forma séria e leal, negoceiam a tempo e horas e não me chocaria se hoje estivéssemos a negociar uma transformação para daqui a dois anos, de maneira a que se possam pensar alternativas. Não acho que o Governo tenha estado bem neste aspeto. Agora, choca-me que depois as crianças sejam instrumentalizadas de uma forma absolutamente indecorosa e sejam trazidas para discussões que não são bem razoáveis. Instrumentalizar campanhas presidenciais à esquerda e à direita com este tipo de questões, peço desculpa, é um bom serviço em favor do obscurantismo.

Cada vez mais se ouve falar de crianças maltratadas… Felizmente.

Tal não significa que haja maior número de crianças nessa condição? Por amor de Deus. Estas são as melhores famílias que a humanidade conheceu. As atuais. O que significa que os nossos filhos estão seguramente melhores.

O que leva um pai a maltratar um filho? (suspira) Muito sofrimento acumulado. Pessoas doentes sempre existiram ao longo da história. O sistema judicial é que não. É uma conquista importante da humanidade e todos nós devemos exigir que um sistema judicial, dedicado às crianças, seja um bocadinho de sistema judicial e que tenha um componente significativo de saúde, nomeadamente de saúde mental. Que nós aceitemos que os pais maltratem, não podemos aceitar; que nós aceitemos que o Estado, como garante de princípios fundamentais, seja omisso na proteção das crianças, é que eu acho que seja inadmissível. Quando grande parte das comissões de proteção tem pessoas da maior generosidade que estão em part-time ou em voluntariado, isto diz bem o que é a proteção das crianças em Portugal. Quando nós admitimos que haja crianças que, no fundo, estão sinalizadas como estando em perigo, mas estão em perigo durante anos… É aqui que eu acho que temos que parar e perceber o que é que queremos da proteção das crianças. Porque o Estado não cumpre a lei. Em média, as crianças estão confiadas aos centros de acolhimento cinco anos. O Estado comete ilegalidades sobre ilegalidades a esse nível.

Mas porque é que se maltrata? Repare: ainda hoje há pessoas que suspiram pela escola do antigo regime, que era uma escola exemplar, onde cada erro representava uma reguada. Muitos destes pais tiveram escolas e famílias muito autoritárias. É por isso que os pais hoje, quando se trata de dizer que “não” a um filho, confundem autoridade e autoritarismo. E passam a vida quase a pedir desculpa com a ideia de que o “não” traumatiza. A autoridade é um exercício de bondade; o autoritarismo é um exercício de prepotência. A prova de que nós fomos crescendo com estes equívocos é um bocadinho esta. Ainda há pais maltratantes.

De todos os estratos sociais, portanto…                                      De repente, até parece que os pais da classe média não maltratam. Há crianças que andam em colégios para meninos com “pedigree” e chegam lá todos os dias com marcas de serem batidas. E quando têm 80 por cento nos testes ficam em pânico, porque são aterrorizadas constantemente… Essas crianças estão em perigo. Porque é que as comissões nunca protegem esse tipo de crianças? Temos que proteger mais e proteger melhor. E os tribunais têm que ser mais duros em relação aos pais que maltratam e negligenciam porque, por mais doentes que eles estejam, não têm o direito de desbaratar todos os recursos saudáveis dos filhos.

É possível ensinar as pessoas a serem bons pais?  É. Os pais precisam de falar pelos filhos: eles sabem muito bem que quem nos ama diz-nos por atos (e por omissões) qualquer coisa como: “sente-me em ti, pensa por mim e fala por nós”. E, de facto, os pais às vezes sentem, pensam, mas não falam. Não falam nem por eles, nem pelos filhos. Ensinar pode fazer-se de maneira divertida, pode significar dizermos aos pais que estão obrigados a dar uma hora por dia aos filhos. Uma hora de mãe ou uma hora de pai, faz muito melhor do que o óleo de fígado de bacalhau para as crianças crescerem. E é necessário dizer aos pais que têm fazer, pelo menos, uma asneira de oito em oito horas. Os pais que não fazem asneiras não são bons pais.

Costuma dizer que as pessoas têm o coração apertado até ao último botão. É o que se passa com os pais?   Acho que somos todos mal-educados. Todos tivemos uma educação judaico-cristã, uma educação positivista que, em muitos aspetos foi importante, mas que criou um vício de forma muito cartesiano que nos leva a imaginar que, quanto mais racionais, melhores pessoas. Fomos todos mal-educados para as emoções. Ainda continuamos a achar que ter raiva é uma coisa feia, como se a raiva não fosse o melhor ansiolítico do mundo. Quem assume que tem ódio de vez em quando? E o ódio só acontece quando alguém que nos ama nos magoa muito. As emoções são um GPS fantástico que temos na nossa vida e nós somos educados para reprimir as emoções. Quando reprimimos as emoções, além dos efeitos neurológicos que isto provoca, vai introduzir uma coisa que é pior: à medida que não transformamos as emoções em palavras, passamos a ficar partidos ao meio. Sentimos tudo, somos tremendamente intuitivos, mas depois deixamos de aprender a falar. Quanto menos somos educados para as emoções, menos educados nos tornamos para as palavras e mais começamos a adoecer.

Somos, então, mal-educados para o amor?  Somos também mal-educados para o amor. Mas para que é que é preciso educação sexual nas escolas? Vai-me desculpar, a sexualidade faz muito bem à saúde. Mas muitas vezes esta “educação moral e religiosa parte II” está a partir do pressuposto de coisas erradas. Educar para o amor é uma coisa muito mais séria. É muito importante dizer o que é o aparelho reprodutor e falar de meios contracetivos… nada disso merece questão. Mas o que eu gostava é que também se explicasse o que é que são as relações amorosas. Devia ou não devia ser proibido casar com o primeiro namorado? Só devia. Quer dizer: passamos a vida a dizer que errar é aprender, mas nas relações amorosas temos que acertar à primeira. Onde é que isto já se viu? Isto é mentira. Se queremos educar para as relações amorosas, devíamos dizer que devia ser proibido casar para sempre.

Não devia ser para sempre? São todas para sempre. Mas o que eu gostava que as pessoas percebessem é que quanto mais importante é uma relação mais frágil se torna. Porque exigimos às pessoas que amamos – e bem –aquilo que não exigimos a mais ninguém. E quanto mais importante for uma relação, mais preciosa ela é. Era muito bom que nós dissemos que todas as relações morrem, sobretudo as mais importantes e, sobretudo, se foram maltratadas. No fundo, educam-nos para nós abotoarmos o coração até o último botão. E, às vezes, as pessoas despem-se facilmente por fora e têm dificuldade em perceber que o grande desafio da vida é despirmo-nos por dentro. É darmo-nos a conhecer por dentro.”

by Vencer Autismo on Thursday, June 14, 2012 at 8:55am

 

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